sexta-feira, 23 de abril de 2010

CAPÍTULO II - Chuva




  

Ele voltou com dois copos gigantes de refrigerante em um daqueles suportes de papelão branco para apoiar copos e um hiper-super-mega Hot-Dog encharcado de molho. Acho que um daqueles dava para alimentar umas três crianças famintas ou satisfazer uma pessoa bem fofa. 
Engraçado como quando achamos uma pessoa muito bonita tudo no mundo favorece para que a beleza dela se acentue. Ele por exemplo, a cada passo que dava o vento balançava o seu cabelo, o sol deixava seus olhos castanhos num mel incomparável. Sacudi minha cabeça como se eu tivesse levado uma pancada e me recompus a tempo de vê-lo chegar de forma sóbria. 


- Você não imagina o quanto esses caras do cachorro-quente podem ser chatos! Acredita que ele me fez pagar pelos saquinhos de ketchup e de mostarda! - ele sorriu para mim de forma como uma desculpa pelo seu desabafo
- Nossa, eles estão ficando mais pão-duros a cada dia!


Ele se sentou ao meu lado apoiando o suporte de copos em uma das partes vazias do banco e me ofereceu a primeira mordida no super-cachorro-quente. Dei uma mordida na ponta ainda tímida com toda aquela situação. Um filme de dois dias passou rápido pela minha cabeça me lembrando de que minha situação não era tão bonita quanto parecia.


- O que houve? O cachorro-quente ta ruim? Não, porque se estiver eu volto lá agora e ainda venho com uns 10 pacotes de ketchup! - eu sorri desconcertada
- Não é nada, é só uma dor de cabeça passageira.
- Quer comprar algum remédio?
- Não, está tudo sobre controle


Comemos e bebemos tudo em silêncio, parando as vezes para olhar o parque que agora estava ficando um pouco mais escuro pelo Sol que já ia embora. Depois da segunda mordida eu já estava satisfeita, e como dividimos não precisei comer demais. Eu me ajeitei no banco e recostando na parte dura e fria de concreto que cobria toda a estrutura. 


- Estive pensando - suspirei - será que quando alguém vai embora da sua vida ela pode voltar, mas de forma diferente? Melhor do que era antes?


Ele que estava com um grande pedaço do cachorro-quente na boca ainda pediu para eu esperar me fazendo rir e então falou:


- Voltar? Mas, como? Reencarnando?
- Não, vivo ainda, sem morrer! - eu dei uma curta risada deixando-o ruborizado
- Ah, isso eu já não sei. Depende, se a pessoa mudar, se ela quiser ser diferente. Vem da pessoa, a gente nunca pode saber ao certo.
- É verdade.
- Por que essa pergunta? - ela tomou o que restava do seu refrigerante e encostou ao meu lado no banco cinza de concreto. 
- Por nada, é que as vezes a gente sente que há esperança.
- Entendo. Ei! A propósito, qual é o seu nome?


Eu parei por alguns segundos e me dei conta que mesmo depois de vários minutos de conversa eu nem se quer sabia o nome dele! 


- Meu nome? Alice... Alice Colferai. E o seu?
- Ricardo. - e então ele sorriu.
- Então, Ricardo... Já está ficando tarde tenho que ir. 


Me levantei do banco me pondo de pé com pouquíssima rapidez, mas quando me dei conta ele estava segurando meu braço, me virei surpresa para encará-lo e ele sorriu... novamente.


- Fica aqui.
- Mas, eu não posso, eu tenho que ir.
- Eu fiz algo errado? Se eu fiz, desculpe.
- Não, você não fez nada de errado, eu só preciso ir. 
- Tudo bem, mas posso te pedir algo?


Ele se levantou e pôs sua mão na minha me fazendo gelar. Olhou nos meus olhos e sorriu novamente. O motivo pelo qual ele sempre sorria eu não sabia, a única coisa que eu tinha certeza é de que ele, e nada mais que ele ali naquele momento me fazia bem.


- Volte aqui, amanhã. Não sei porque mais acho que temos muito a conversar ainda.
- Sinceramente... eu também acho.- sorri, ruborizando novamente - Eu vou voltar. 
- Eu vou esperar.


Com um súbito o beijei levemente no rosto fechando os olhos e tentando sentir o cheiro no qual ele exalava, então me virei e soltei sua mão andando devagar e correndo ao mesmo tempo.
Não sei por quanto tempo andei e nem para onde estava indo. Passei por diversos quarteirões agora iluminados pelas luzes das casas vitorianas que enfeitavam de uma forma única toda aquela paisagem. A chuva caiu fria sobre meus ombros descobertos e pela primeira vez me senti livre. Fechei meus olhos e dancei com o vento que me envolvia, com o cheiro de terra molhada que tomava conta de mim, de cada parte do meu corpo, sem excessão. Lembrei de tudo o que aconteceu aquela tarde, do choro pouco antes de sair para o parque, dos velhinhos no banco, do Ricardo... Sim, do Ricardo, e de todo o seu conjunto rocker anos 80 e seu gosto por hot-dogs. Ele me pediu para voltar, será que eu deveria? Eu vou voltar! Eu sei que eu vou!
Sentei na calçada da minha rua agora totalmente molhada da chuva mais reveladora da minha vida e fechei os olhos mais uma vez. Em mim só haviam borboletas, o cheiro da terra molhada e uma liberdade que a muito tempo não sabia que existiam. 
Tirei os sapatos em frente a minha casa deixando-o no tapete de 'boas vindas' e entrei. O ar estava quente e cheirava a chocolate. Decidi subir primeiro para meu quanto antes de saber o que minha mãe estava aprontando. 
Meu quarto estava o mesmo de quando eu saí, exceto por uma coisa. Em cima da minha mesa do telefone havia um papel escrito: 




"Fernando ligou, pediu para retornar a ligação. Ps: Ele parecia estar chorando
Beijos, sua mãe."
Paralisei por alguns minutos e fixei os olhos no papel com a letra magra e irregular da minha mãe. Fernando ligou? Para quê? Por que? E o mais importante: O que ele queria dizer?


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Soundtrack Cap II:

Owl City - Fireflies
She is love - Parachute
Love Split Love - Please 
Mazzy Star - Into the Dust






Be Youself
Don't Copy





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